sexta-feira, 24 de agosto de 2007

HISTÓRIA DE PAI E FILHO - CAPITULO 1

Sou filho único de uma família muito humilde.

Papai, lavrador, seu trabalho era plantar, colher e vender algodão, ganhava pouco mas sempre honrou os compromissos de casa.

Eu, ainda criança, lembro-me como se fosse hoje. Papai levantava cedo, mamãe fazia seu delicioso cafezinho no fogão de lenha, papai tomava....

Na época de colheita do algodão, papai me convidada para ir junto. Eu adorava dormir sobre as enormes pilhas de algodão que eram armazenadas em pequenos cômodos feitos de madeira.

Aos poucos fui crescendo, vendo papai encolhendo pelo cansaço de seu árduo trabalho.

Papai muito novo, na sua idade, porém velho na aparência; sol, chuva, dia, noite, lá estava ele, não parava. Tudo para fazer sua família feliz, levar o pão para dentro de casa. Época difícil....

Povos mais antigos, acreditavam mais na cura pelas ervas, que pelos remédios indicado por médicos.

Certa vez, pouco antes do meio-dia, papai pede para eu apanhar algumas folhas de uma pequena árvore, próxima do local onde estávamos.

- No final do corredor (entre as fileiras de algodão) olhe a sua esquerda e verá a pequena árvore, me traga dez folhas. Lá fui eu em busca das folhas, encontrei a tal arvore, pequena do jeito que ele falou, o problema foram as dez folhas, nem contar eu sabia. Quebrei um galho da arvore e levei para ele, se tinham dez folhas eu não sei.

Quando cheguei, papai e seus ajudantes já estavam reunidos para o almoço. Todos sentados empunhando suas marmitas em mãos, já almoçando.

No que cheguei e fui visto por eles, papai em viva voz anunciou:

- Hooopaa! Ai esta chegando o doutor com o meu remédio. Todos riram da situação do momento. Eu, sem entender nada, entreguei o galho para ele.

- O doutor estava chegando com o meu... A palavra doutor soou em meus ouvidos e ficou gravada em minha mente.

Eu observei que papai, ao encerrar sua refeição, pegou aquele galho que eu havia trazido, tirou algumas folhas, colocou em um copo e começou a amassar com a colher. Após alguns fortes apertões nas folhas colocou um pouco de água e tomou. Eu sem entender sua atitude, achei muito estranho.

Folhas amassadas com água??!!

É bom pra que??!!

Posteriormente ele me explicou que, aquele sumo das folhas amassadas, com um pouco de água. Fazia bem para seu estômago. Devido a uma gastrite que ele tinha, em se preocupar tanto com seu trabalho, com o pagamento dos seus ajudantes, em fazer sua família feliz. Essas preocupações, entre outras, o fazia a cada final de refeição, seu estômago doer. Porém, o caldo das folhas amassadas o ajudava a suportar tal inconveniente.

Sua explicação foi fantástica.

Ao término da explicação, eu olhando para ele, disse:

- Papai, eu quero ser doutor! Ele olhando firmemente para mim, porém, em silêncio, por alguns segundos, eu vi os seus olhos se encherem de lágrimas.

Seu olhar dizia tudo.

- Filho, não tenho condições de realizar seu sonho.

- Você tem que estudar muito, trabalhar bastante, o valor pago para ser doutor é alto.

Mas eu também via seus olhos dizerem:

- Filho, vai, você consegue!! Em seguida em deu um forte abraço e ainda em silêncio, saiu para seu trabalho.

Passaram-se alguns anos, fui crescendo, tomando forma de adulto. Já estava ajudando papai nas colheitas de algodão, também, já havia me matriculado em uma escola que tinha na pequena vila, onde morávamos. Lá eu aprendi a ler e escrever....

- O doutor esta chegando com o meu...

Essa frase dita por papai, não saia da minha mente, carreguei comigo por longos anos, porém, eu era criança quando papai despertou o doutor dentro de mim.

Já estava me aproximando dos dezoito anos, dezessete para dezoito, cheguei em papai, mais uma vez e disse:

- Papai, eu quero ser doutor, desta vez, ele não focou em silencio.

- Filho, você é minha vida, meu único filho, porém, vou fazer de tudo, vamos procurar uma escola que ensina a ser doutor, vou vender o nosso carro para pagar a escola pra você.

- O carro não!! O senhor, agora que conseguiu comprar esse carro, com as economias do seu trabalho.

- Filho, filho meu, não tem problema, nós podemos plantar mais, colher mais, trabalhar mais e assim podemos comprar outro carro.

- Eu falei que vou fazer de tudo para você ser doutor. E vou fazer, mas terá que me prometer uma coisa??!!

- Meu querido pai, o que eu devo lhe prometer??

- Pois bem meu filho, você terá que ser humilde, persistente, perseverante em tudo o que fizer daqui para frente. Não importando, sol, chuva, dia, noite, feriados. Se alguém precisar de você, terá que estar pronto para atender. A partir de agora você será doutor, vai salvar vidas.

Nós nos abraçamos fortemente, como se estivéssemos celando um compromisso, meu para com meu pai.

- Promessa feita papai, a partir de hoje, com a sua ajuda vou trabalhar muito, estudar bastante e serei o doutor salvador de vidas como o senhor quer!

Os anos se passaram, papai lutou muito com plantação e colheita de algodão, para me ajudar a pagar um estudo que ninguém da pequena vila onde morávamos, tinha condições de pagar, ou mesmo fazer um curso que hoje chamamos de "superior".

Ao passar dos anos eu aprendi uma coisa que nunca deveria ter aprendido em toda minha vida.

Eu trabalhei e estudei muito, sempre com a ajuda de meu pai. Ele me ensinou a ser humilde, ele me ensinou a perseverar em meus estudos e trabalhos, ele me ensinou a honrar a palavra.

- Filho, homem que é homem, honra o que fala... Frase dita por ele, ouvi muitas vezes, inclusive.

- Homem que honra sua palavra, não precisa assinar papel.

Mas, como na vida, tudo muda! eu também mudei.

Eu aprendi. não com meu pai, muito menos na pequena vila em que eu morava.

Eu aprendi a ser "político".

Promessas, promessas, promessas... vou fazer isto, vou fazer aquilo, vou fazer, vou fazer... e por ai a fora.

Os anos se passaram, conclui meus estudos. Fiz estagio em alguns hospitais. Adquiri muito conhecimento com outros doutores.

Um hospital inaugurado recentemente muito próximo de onde eu morava, os diretores da mesma rede hospitalar me fizeram o convite para dirigir este. Aceitei o convite.

Eu já havia me casado, construí uma família, uma esposa maravilhosa, dois lindos filhos, considerados frutos de um amor que parecia não ter fim.

Sempre que podia, reunia a família e ia fazer uma visita para papai e mamãe. Nunca os abandonei, até que o cansaço do trabalho, a política que havia aprendido ao longo dos anos, me venceu.

Hospitais, sem recursos totais de atendimento, falta de aparelhos para exames, higienização precária, corredores sem espaços, até mesmo para o trânsito de enfermeiros, devido às macas que ali estavam estacionadas com pacientes aguardando serem atendidos. Em outras palavras, super lotação, deficiência de profissionais qualificados, o regimento interno (política) que tem que ser seguido.

Bom! mas agora eu estou dirigindo um hospital novo, recém inaugurado, estou livre de todos esses contratempos, pensei comigo, mas eu me enganei.

Em poucos meses na administração, já dava para perceber o número de pacientes que ali chegava, já estava precisando contratar mais profissionais da área hospitalar, fazer o rodízio de turnos nas vinte e quatro horas do dia, comprar novos aparelhos para determinados exames...

O tempo foi passando e toda essa pressão me deixando cada vez mais sufocado.

Cinco anos de trabalho a mais neste hospital foram os suficientes para me deixar mais velhos na aparência.

Lembrei de meu pai, também sufocado com seus compromissos que sua aparência o havia deixado com quase o dobro da idade que ele tinha.

Eu estou no mesmo caminho, pensei comigo, mas até quando??!!..

Estava eu de plantão no hospital, já cansado de alguns exames rotineiros, o relógio marcava duas horas da manhã, quando chegou um senhor, aparentando mais ou menos uns quarenta anos com uma vitima de acidente de trânsito.

Explicou ele para o atendente, que o havia encontrado caído no bordo do leito viário. Acreditando que algum veículo atropelou e o abandonou no local do acidente.

Aquele senhor estava muito nervoso, tenso com o estado que aquela vitima se encontrava.

Ele falava a todo instante.

- Ele vai morrer, ele vai morrer, ele vai morrer..... chame o doutor, ele vai morrer...

A atendente tentou manter a calma daquele senhor, pedindo os documentos da vitima.

- Senhor, por favor, pegue os documentos da vítima

-Dona.. eu já verifiquei, ele está sem os documentos, acredito que além de atropelado, também foi roubado. Ele já estava sem os documentos desde o momento em que eu o encontrei.

- Senhor, eu não posso encaminhar a vitima ao doutor sem preencher o formulário...

- Dona, ele vai morrer, terá que ser atendido com urgência chame o doutor.

A atendente, percebendo a preocupação daquele senhor, tomou a decisão de ir até minha sala, onde eu estava descansando, me contou o que estava acontecendo, falando com ênfase o estado que se encontrava o acidentado.

Pensei comigo, deve ser mais um desses casos que vem acontecendo ao longo dos anos em que eu trabalho em hospitais.

Já cansado da pressão administrativa, atendendo pacientes o dia todo, ouvindo reclamações da equipe de trabalho, pacientes que só sabem reclamar, entre outras coisas, meio irritado respondi para atendente:

- Volte e diga a esse senhor que sem o preenchimento dos formulários não é possível o atendimento.

O não preenchimento desses formulários, não era considerado consulta, eu não receberia pelo atendimento.

Eu estava mais preocupado em receber do que em atender. Lembrei de papai...

- Filho, terá que me prometer que, não importa a situação ou condições do momento, você terá que salvar vidas. como já fazia, muitos anos que papai me fez prometer, que eu achei até que ele havia esquecido, com isso considerei sendo como ultima palavra " a minha".

Mis ou menos meia hora depois o toc, toc, toc da atendente, batendo em minha porta novamente.

- Entre!!

- Com licença doutor, olha não foi fácil, mas depois de muita discussão eu consegui fazer aquele senhor preencher os formulários de atendimento. Ele acrescentou que:

- Vou preencher estes formulários para não deixar esta vitima de acidente de trânsito morrer.

Ele para mim é um desconhecido, mas no momento o que importa é a vida dele. Porém, não é a falta do preenchimento que ele vai deixar de ser atendido.

- bom doutor, o que o senhor Antonio me disse foi isso e o acidentado esta realmente em estado grave, não vai resistir a não ser que seja atendido com urgência.

- Antonio!! o nome dele é Antonio?

- Sim doutor, Antonio é o senhor que trouxe o desconhecido acidentado.

- Haaaa Bom! Traga-o para dentro, deixe a maca no corredor que eu já estou indo.

Demorei mais alguns minutos em minha sala, colocando em ordem alguns documentos do hospital entre outros que estava faltando assinatura, quando entra a atendente, até mesmo sem bater na porta, muito desapontada, profundamente entristecida e disse:

- Doutor, tarde demais, ele morreu.

- Bom, como eu já estava há vários anos em hospitais, passando por situações como essa, daquele momento, pra mim era só mais um que não deu para salvar, até alertei com animo a atendente:

- Dona Marlene, a dor do paciente é a do paciente não nossa, entenda a senhora que não podemos levar os problemas dos pacientes conosco, para casa.

- Volte, coloquei o cadaver na geladeira que antes do meio dia de hoje faremos o reconhecimento, temos que aguardar a procura dos familiares para liberar o corpo.

As palavras que eu dirigi para a atendente saíram de dentro de mim, como se fosse um robo, ou seja, uma máquina programada para atender pacientes.

A cada dia que se passava, eu sentia cada vez mais a mudança em meu comportamento, dentro daquele hospital. Neste dia, naquela hora, naquele momento a mudança parecia ser em especial..

Bom! Tinha nesse hospital uma pequena geladeira onde guardávamos os órgãos humanos para estudos científico, guardávamos, também, corpos de indigentes que se no máximo trinta dias não hovese a procura de parentes, os corpos seriam retalhados para estudos.

Pensei comigo, esse desconhecido poderá ser ais um que vamos estudar.

Fui para o sofá que havia em minha sala, deitei para descansar e adormeci. O último caso daquele restante de noite foi o do desconhecido.

Seis horas da manhã, um relógio despertador que não saia da minha mesa e me auxiliava nas horas deu sinal que um novo dia já havia começado.

Levantei, estiquei meu corpo num rápido alongamento, lavei meu rosto em uma pia que havia em minha sala e fui para minha mesa, puxei a cadeira, em sentei, em seguida o toc, toc, toc, em minha porta.

- Entre! era uma outra atendente do turno das sei horas da manhã.

- Com licença doutor! Bom dia! eu vim trazer o formulário do desconhecido que morreu esta madrugada, aqui está!!

- Muito bem, pode deixar sobre a mesa.

As horas se passaram muito rápido esta manhã, que eu até estranhei. já eram dez horas e não havia entrado nenhum paciente se quer, para ser atendido por mim desde as duas horas da madrugada, o último foi aquele desconhecido.
O hospital estava vazio, não tinha ninguém, a não ser os que já estavam internados, enfermeiros, a atendente e eu. Paramos no tempo, pensei comigo.

Neste momento, senti um vazio muito grande dentro de mim, uma angustia, uma solidão....

Pensei comigo: bom, devo estar trabalhando demais, devo tirar umas férias. Mas para manter a minha cabeça ocupada como a manhã estava tranqüila, sem pacientes para atender, eu vou ver o estado em que se encontra o corpo do desconhecido.

Peguei o formulário preenchido pelo senhor Antonio, fiquei um pouco assustado quando a atendente falou o nome Antonio. Papai tem esse nome e aquele momento que a atendente anunciou o nome Antonio, me veio em mente. Será que é papai que está prestando o socorro a um desconhecido?

Eu não tinha dúvidas, papai, pelo seu caráter de homem, ele não escolheria dia, mês, ano ou hora para prestar auxilio a qualquer um que precisasse dele, papai era uma pessoa impar.

Olhei para o nome que estava no formulário e percebi que somente o primeiro nome que era igual o sobrenome não tinha nada a ver com papai, naquele momento suspirei fundo e descansei mais tranqüilo.

Segui ao longo do corredor até chegar à sala da geladeira, nós chamávamos de sala fria, era a lada dos estudos científicos. Entrei e, no que coloquei a mão na porta para abrir a geladeira, entra a atendente um tanto quanto ansiosa me dizendo que minha esposa estava ao telefone e queria falar comigo, era urgente.

Joguei o formulário sobre a mesa e sai correndo para atendê-la.

- Alo, meu bem, o que aconteceu?

- Querido é o seu pai!!

- Meu pai?? - naquele momento me veio um desespero, uma angustia tão grande, que para minha esposa me ligar àquela hora da manhã, boa coisa não era. Meu pai era tudo para mim, a minha educação, os estudos na faculdade, eu ser doutor, eu devo tudo isso a ele, meu pai era a minha vida.

- Alo, alo – meu bem, o que aconteceu com papai?

Um comentário:

TerrorWoman disse...

adorei a ideia de vc fazer o blog..vc vera q delicia q é...
é uma terapia por td pra fora....
eu tbm curto mt fazer isso..dividir...essa e a palavra...dividindo,tristezas,alegrias,momentos dificeis...a vida se torna mais leve...mais facil de ser vivida...
beijos